Não apenas Dilma: o vice-presidente da República, Michel Temer, assinou pelo menos um dos decretos que autorizaram pedaladas fiscais quando estava no exercício do cargo. A abertura de créditos suplementares ao Orçamento da União de 2014 para cobrir o rombo nas contas da presidente Dilma Rousseff utilizou decretos não numerados e teve como fonte de recursos um suposto superávit financeiro de 2013, “excesso de arrecadação” e até emissão de títulos do Tesouro Nacional. O Fato Online teve acesso aos decretos que foram assinados por Dilma e por Temer, e que estão sendo questionados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
Os decretos não numerados são incluídos numa série separada dos outros decretos que regulamentam leis. São chamados de decretos sem número e assim aparecem no Diário Oficial, mas eles têm uma numeração interna que os identificam.
O TCU concedeu 15 dias de prazo para a presidente Dilma prestar esclarecimentos sobre as novas “pedaladas fiscais” – irregularidades na contabilidade presidencial. A partir do despacho, assinado pelo ministro relator, Augusto Nardes, a reportagem fez o rastreamento dos decretos sem número e identificou a destinação e a origem dos recursos de seis deles. Eles somam R$ 17,3 bilhões, o que aproxima dos R$ 100 billhões o rombo nas contas.
Do total dos decretos, R$ 8,25 bilhões tiveram os recursos originários de “excesso de arrecadação” – isso num momento em que o rombo fiscal já chegava a R$ 80 bilhões. Outros R$ 3,98 bilhões tiveram origem de um suposto “superávit financeiro do balanço de 2013”. A quantia de R$ 1,49 bilhão foi amealhada com a emissão de títulos do Tesouro Nacional. Ajudou a pagar dívidas da União e transferências a estados e municípios.
Esse decreto, assinado em 3 de dezembro de 2014, abre crédito suplementar de R$ 15 bilhões para cobrir despesas da Justiça Militar, de órgãos do Executivo e de encargos financeiros da União e transferências a estados, Distrito Federal e municípios. R$ 7,9 bilhões saíram de um suposto “excesso de arrecadação”.
O decreto de Temer foi assinado em 12 de novembro, quando ele estava no exercício da Presidência da República. O decreto sem número abriu crédito suplementar de R$ 95 milhões para cobrir despesas de diversos órgãos do governo. R$ 20 milhões saíram de um suposto "superávit" ou outros R$ 8 milhões de "excesso de arrecadação".
Procurador
A utilização do decreto sem número no valor de R$ 15 bilhões foi revelada pelo procurador do Ministério Público do TCU Júlio Marcelo de Oliveira. Ele disse que a edição desse decreto violou a lei orçamentária, já que a abertura de tais créditos suplementares se deu para cobertura de despesas primárias, valendo-se de fontes financeiras e não de fontes neutras, alteração incompatível com a obtenção da meta de superávit primário. “Tais créditos deveriam decorrer da aprovação de projeto de lei específico pelo Congresso Nacional”, escreveu o procurador.
No seu despacho, Nardes acata os argumentos do procurador e acrescenta que os créditos suplementares infringem o artigo 167, inciso 5, da Constituição federal, “com a estrita vinculação dos recursos oriundos de excesso de arrecadação ou de superávit financeiro, contrariando o art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal”. O art, 167º da Constituição diz que é vedada “a abertura de crédito suplementar sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes”.
Outra irregularidade apontada no despacho: o governo federal não considerou a manifestação do Ministério do Trabalho quanto à elevação de despesas primárias obrigatórias (Seguro Desemprego e Abono Salarial), no valor de R$ 9,2 bilhões, e quanto à frustração de receitas primárias do Fundo de Amparo ao Trabalhador, no valor de R$ 5,3 bilhões. Mais R$ 14,5 bilhões de rombo fiscal.
Após a apresentação da defesa do governo federal, as contas da presidente Dilma serão apreciadas pelo TCU, que emitirá um parecer técnico sobre a sua regularidade fiscal. O parecer será julgado pelo Congresso Nacional em sessão conjunta da Câmara e do Senado. A rejeição das contas pode abrir caminho para o processo de impeachment da presidente. Se as práticas apontadas pelo TCU foram consideradas como ilegais pelo Congresso, Temer também poderá responsabilizado. Se presidente e vice perderam o mandato, será realizada nova eleição em até 90 dias.
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