Ao
analisar a entrevista de Sergio Sauer resolvi trazer as autoridades do
Município de Caraguatatuba, e aos demais Munícipes essa matéria que trata a
MP/759/2016.
Brasil
de Fato: A comissão mista aprovou
o relatório do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre a Medida Provisória
(MP) 759/2016, que trata da regularização fundiária rural e urbana, quais os
principais pontos o senhor poderia destacar desse relatório?
Sergio Sauer:
Tanto o
relatório (mais de 500 páginas) como o Projeto de Lei de Conversão [PLV, que é
a versão alterada da MP], publicada no último dia 12, são extremamente longos e
mudam uma série de leis. O PLV altera textos de sete ou oito leis, sendo as
principais justamente a Lei da Reforma Agrária (Lei 8.629), de 1993, e a lei do
Terra Legal (Lei 11.952), de 2011, além de vários dispositivos sobre a
regularização fundiária urbana. Estes últimos alteram significativamente a Lei
11.977/2009 [que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a
regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas] e vários
avanços alcançados em termos de direitos à cidade.
Diante
deste emaranhado de mudanças, é difícil nomear as principais, mas destaco algumas
relacionadas ao campo:
a) mudanças profundas na
lei da reforma agrária, especialmente sobre a titulação dos lotes (inclusive
abrindo a possibilidade de comercializar os lotes) e a seleção de famílias;
b) mudanças no programa
Terra Legal, especialmente a ampliação do limite de 15 módulos (ou máximo de
1500 hectares) para 2500 hectares e regularização de terras para além da
Amazônia Legal.
Quero chamar
a atenção para dois pontos que simbolizam as reais intenções de todas essas
mudanças.
Em primeiro lugar, o relatório/PLV, de autoria
do senador, abre a possibilidade de as famílias assentadas "celebrarem
contratos de integração", conforme o dispositivo da Lei
13.288/2016, que trata justamente de contratos de integração, o
que contraria a proposta original da Lei Agrária. Esta associava o direito à
terra ao compromisso da família de cultivá-la, proibindo-o de ceder ou de dar
direito de uso a terceiros.
Na mesma
toada, abre possibilidades de regularizar áreas pelo Terra Legal em que a
exploração direta é feita "com ajuda de terceiro… por meio de pessoa
jurídica" e com "exploração indireta". Em outras palavras, serão
regularizadas terras "gerenciadas,
de fato e de direito, por terceiros" (termos do PLV),
inclusive empresas. Estas
formulações, no mínimo, abrem possibilidades para a legalização de laranjas, ou
seja, a regularização de áreas por pessoas sem qualquer vínculo efetivo com as
terras.
Na sua análise, o que está por
trás dessa medida?
Historicamente,
assuntos relacionados a terras e direitos territoriais são bastante complexos.
Há muitos interesses na emissão desta MP, associada a uma enxurrada de
emendas parlamentares, complementadas com o relatório e projeto de conversão.
Utilizando
o argumento ou justificativa de "responder ao Tribunal de Contas da União"
[TCU, justificativa dada pelo governo], me refiro ao Acordão do TCU que, ao
investigar os programas governamentais de reforma agrária, encontrou
irregularidades mas, em vez de exigir ações do Executivo para sanar essas,
paralisou todo o programa.
Em
2016, o Executivo emitiu a MP com alguns objetivos: por exemplo, ao enfatizar a
titulação – e consequentemente "consolidar" os projetos de
assentamentos – , há uma desoneração do Incra [Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária], no qual os projetos consolidados deixam de ser
de responsabilidade do órgão e, simultaneamente, transforma as terras
destinadas para a reforma agrária em alienáveis, ou seja, as torna negociáveis.
Associado
a isto, é fundamental perceber que a MP permite o pagamento, em caso de
desapropriação para fins de reforma agrária, a preço de mercado da terra nua.
Ou seja, se já era um bom negócio não cumprir a função social, agora a
"penalidade" será o pagamento em dinheiro. Isto é ainda associado com
institucionalização dos juros compensatórios, ou seja, o desapropriado irá
receber por possíveis diferenças entre o valor depositado em juízo pelo Incra
no processo de desapropriação e o valor fixado na sentença definitiva dos
processos judiciais.
Além
disto, a ampliação do Terra Legal – não só em relação ao tamanho das áreas
passíveis de regularização, que subiu para 2500 hectares, mas também estendendo
o programa para todo o país – atende a interesses da bancada ruralista e de
setores especulativos, que se beneficiam com a regularização e aquecimento do
mercado de terras!
Concluindo,
é fundamental não olhar a MP 759 isoladamente, pois há um conjunto de medidas
(como as MP 756 e 758) que atacam direitos, de um lado, e beneficiam
especuladores e o agronegócio de outro.
Da
CPI da Funai/Incra – e seus indiciamentos absurdos – ao cancelamento de parque
estadual para beneficiar ministro detentor de terras, passando por essas MPs, o
objetivo é atender ao mercado de terras e à expansão dos negócios,
especialmente a expansão das fronteiras agrícolas a partir do modelo hegemônico
de desenvolvimento agropecuário, resultando em mais concentração fundiária,
exclusão e expropriação da população pobre do campo.
Como já mencionado, a MP prevê
alterações na Lei nº 8.929/1993 (Lei da Reforma Agrária) e na Lei nº
13.001/2014 (sobre créditos de famílias assentadas). Há ainda mais retrocessos?
Alguns
elementos chamam a atenção; parte no texto original da MP, parte no projeto de
conversão aprovado no Congresso. Um deles é a definição de projeto de
assentamento consolidado. Diferentemente da lei em vigor, o Projeto de
Conversão estabeleceu 15 anos para que o Projeto de Assentamento (PA) seja
considerado consolidado, independentemente das famílias terem recebido os
créditos e de o Incra ter feito os investimentos de infraestrutura exigidos
pela lei de 1993. Isto é um profundo retrocesso nas já frágeis políticas de
consolidação dos projetos.
De
acordo com o texto do PLV, os ocupantes irregulares, ou seja, aqueles que não
se enquadram como beneficiários, serão notificados para desocupar a área. Além
de apenas notificar todos aqueles que ocupam, "lotes sem autorização
do Incra" poderão ser regularizados, desde que não haja vedação –outro
artigo impede o acesso a lotes por servidores públicos e outros poucos
casos.
Estes
dispositivos permitirão uma regularização em massa, sem qualquer mecanismo
efetivo para coibir abusos e retomar lotes que estão em mãos de pessoas que,
efetivamente, não se enquadram nos programas de reforma agrária.
Ainda
em relação às mudanças, é fundamental entender que a MP/PLV ignora solenemente
a demanda social. A histórica luta pela terra, particularmente a demanda social
expressa na organização e criação de acampamentos, é desconsiderada.
A
MP estabelece claramente um protagonismo estatal (apenas quando convém
obviamente), pois caberá ao Incra, única e exclusivamente, chamar, pontuar,
selecionar ou excluir as famílias candidatas, sem qualquer reconhecimento
da demanda e luta por direitos.
A regularização fundiária do
Programa Terra Legal na Amazônia (Lei 11.952/2009) também sofre alterações. Que
riscos a MP759 trará para região amazônica?
Conforme
mencionei anteriormente, a ampliação do Programa para todo País é um grande
problema, especialmente considerando que todas as áreas até 2500 hectares serão
contempladas. Além disto, o PLV foi ainda mais generoso que os termos da MP,
pois os pagamentos dos imóveis acima de um módulo fiscal (abaixo deste são
isentos) serão de, no máximo 50% do valor de mercado da terra nua. Além dos
riscos de regularizar a grilagem – já denunciados em vários estudos sobre o
Terra Legal na Amazônia –, os beneficiários irão pagar apenas a metade do valor
em áreas de até 2500 hectares.
Em relação
aos custos da terra na regularização, é interessante notar que serão calculados
"com
base nos valores de imóveis avaliados para a reforma agrária".
Diferentemente das desapropriações para fins de reforma agrária, em que os
pretensos proprietários sempre recorrem à Justiça exigindo valores mais altos –
inclusive na certeza de juros compensatórios por terras que não cumprem a
função social –, os valores a serem pagos na regularização serão mais baixos.
Ainda em
caso de pagamento integral do imóvel, são extintas as cláusulas resolutivas, ou
seja, não haverá qualquer restrição (lógica da propriedade privada).
Mas foram revogadas as obrigações e punições (no caso de descumprimento
com a reversão da concessão do título) relacionadas ao desmatamento de Área de
Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal.
Na
prática, significa que a regularização de posses (sempre lembrando que está
tratando de áreas de até 2500 hectares) não estabelece nenhuma restrição
ambiental, como usar a regularização para coibir o desmatamento na
Amazônia. Aliás, foi um dos grandes argumentos para instituir o Terra Legal!
Concluindo, eu diria que
a MP e o PLV ampliam as possibilidades de grilagem em áreas até 2500 hectares,
abrindo nova formas como a regularização de áreas que não são, efetivamente,
utilizadas pelas famílias requerentes via contratos de "integração",
exploração por empresas, entre outras artimanhas