A nomeação de parentes para ocupar
cargos na Administração Pública, prática conhecida como
nepotismo, sempre esteve presente na política nacional. Com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, esta conduta
revela-se incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, pois,
através dos princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e
isonomia, evitam que o funcionalismo público seja tomado por aqueles
que possuem parentesco com o governante, em detrimento de pessoas com
melhor capacidade técnica para o desempenho das atividades.
Além da força normativa dos
princípios constitucionais, temos a previsão do Estatuto dos
Servidores da União, Lei nº. 8.112/90, que em seu art. 117, inciso
VIII, proíbe o servidor de manter sob sua chefia imediata, em cargo
ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o
segundo grau civil. No Poder Executivo Federal, dispõe sobre a
vedação do nepotismo o Decreto nº 7.203, de 04/06/2010. No âmbito
do Poder Judiciário, foram editadas pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) a Resolução nº7 (18/10/2005), alterada pelas
Resoluções nº9 (06/12/2005) e nº 21 (29/08/2006). Também para o
Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) publicou as Resoluções de nº 1 (04/11/2005), nº 7
(14/04/2006) e nº 21 (19/06/2007). Conforme as lições de Fernanda
Marinela,
“Esses diplomas proíbem a presença de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados ao tribunal, assim como de qualquer servidor ocupante de cargo de direção ou assessoramento, para exercer cargo em comissão ou função de confiança, para as contratações temporárias e para as contratações diretas com dispensa ou inexigibilidade de licitação em que o parentesco exista entre os sócios, gerentes ou diretores da pessoa jurídica.” (Curso de Direito Administrativo, 5ª ed., pg. 65.)
Mesmo com todos estes dispositivos, a perniciosa prática persistia. Em agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante nº 13, na tentativa de impedir o nepotismo em todos os órgãos do Estado, incluindo as estruturas do Poder Executivo e Legislativo, bem como as pessoas jurídicas da Administração Pública indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista). Estabelece a referida Súmula:
“A
nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o 3º grau inclusive, da autoridade
nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo
de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em
comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na
Administração Pública direta ou indireta, em qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.“
Considerando o enunciado, temos:
Parente em
linha reta
|
Parente
colateral
|
Parente por
afinidade (familiares do cônjuge).
|
|
1ª grau
|
Pai, mãe e
filho(a).
|
Padrasto, madrasta,
enteado(a), sogro(a), genro e nora.
|
|
2º grau
|
Avô, avó e
neto(a).
|
Irmãos.
|
Cunhado(a), avô e
avó do cônjuge.
|
3º grau
|
Bisavô, bisavó e
bisneto(a).
|
Tio(a) e
sobrinho(a).
|
Concunhado(a).
|
Importante ressaltar que no trecho
final “(...) compreendido o ajuste mediante designações
recíprocas (...)”, a súmula também vetou o chamado
nepotismo cruzado, quando um
político ou servidor indica um parente seu para assumir um cargo em
outro órgão, sob supervisão de outro político ou servidor,
enquanto este último indica um parente seu para trabalhar junto ao
primeiro. Há uma troca de indicações, objetivando burlar as
restrições impostas.
Contudo, ficam ressalvadas as nomeações realizadas para os cargos políticos de Ministro do Estado, Secretário Estadual e Municipal, conforme decisão proferida pelo STF no Agravo Regimental em Medida Cautelar em Reclamação nº 6650/PR:
AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. NOMEAÇÃO DE IRMÃO DE GOVERNADOR DE ESTADO. CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE Nº 13. INAPLICABILIDADE AO CASO. CARGO DE NATUREZA POLÍTICA. AGENTE POLÍTICO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.951/RN. OCORRÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO. 1. Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula Vinculante nº 13, por se tratar de cargo de natureza política. 2. Existência de precedente do Plenário do Tribunal: RE 579.951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 12.9.2008. 3. Ocorrência da fumaça do bom direito. 4. Ausência de sentido em relação às alegações externadas pelo agravante quanto à conduta do prolator da decisão ora agravada. 5. Existência de equívoco lamentável, ante a impossibilidade lógica de uma decisão devidamente assinada por Ministro desta Casa ter sido enviada, por fac-símile, ao advogado do reclamante, em data anterior à sua própria assinatura. 6. Agravo regimental improvido.
Tanto a Resolução nº 7 do CNJ como
a Súmula Vinculante nº 13, foram objeto de inúmeras críticas.
Primeiramente, alegou-se que para vedar a prática do nepotismo na
esfera do Executivo e do Legislativo, seria necessária a existência
de lei formal neste sentido. Entretanto, no julgamento do Recurso
Extraordinário nº 579.951, a Suprema Corte declarou que a proibição
decorre diretamente dos princípios expressos no art. 37, caput, da
Constituição da República. Veja a ementa:
EMENTA: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO NEPOTISMO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL. INEXIGIBILIDADE. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART. 37, CAPUT, DA CF. RE PROVIDO EM PARTE.
I -
Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do
Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais
Poderes é ilícita.
II - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática.
III - Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.
IV - Precedentes.
V - RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante, de cargo em comissão.
II - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática.
III - Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.
IV - Precedentes.
V - RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante, de cargo em comissão.
Outra crítica feita diz respeito à
redação da Súmula Vinculante nº 13, que, na tentativa de alcançar
o maior número de situações possíveis, acabou por criar um texto
de difícil compreensão, sem apontar os meios para sua correta
aplicação e fiscalização. Tamanha é a rigidez do texto que as
nomeações ocorridas numa mesma pessoa jurídica, e não só no
mesmo órgão, também se submetem a regra.
Em maio deste ano, foi amplamente
noticiado pela imprensa o caso do Desembargador do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), Elpídio Donizetti Nunes, acusado de
nomear sua ex-esposa, Leila Donizetti Freitas Santos Nunes, para o
cargo comissionado de assessora do Tribunal. A denúncia foi feita ao
CNJ pelo Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância de
Minas Gerais (SINJUS/MG).
Durante a apuração, o CNJ encontrou
nos autos do processo de separação do casal, um acordo em que
Elpídio Donizetti ficaria desobrigado de pagar pensão alimentícia
à Leila Nunes enquanto esta ocupasse o cargo de assessora.
Em sua defesa, o desembargador alegou
que a nomeação somente ocorreu devido às qualificações técnicas
de sua ex-esposa, e que na época já não havia mais vinculo
conjugal entre eles.
Após a repercussão do caso, o TJMG
divulgou em nota que, assim que fosse comunicado da decisão do CNJ,
adotaria as medidas necessárias para sua fiel execução.
O combate ao nepotismo revela-se como
um importante meio para a preservação da moralidade administrativa,
contribuindo na construção de uma Administração Pública
eficiente e democrática, na medida em que prestigia a aptidão
técnica do servidor e assegura a todos o acesso aos cargos, empregos
e funções públicas, desde que preenchidas as condições
legalmente exigidas.
Escrito por: Leiner
Marchetti Pereira, advogado, sócio da MP&T Advogados Associados
– Consultoria e Assessoria em gestão pública, especialista em
Administração Pública, mestre em direito, professor universitário
e de pós-graduação, coordenador do NPJ do Curso de Direito da
Faculdade Três Pontas - FATEPS, coordenador da Pós Graduação em
Administração Pública SENAC/MG, Renata Tardioli Pereira, advogada,
especialista em Administração Pública, sócia da MP&T
Advogados Associados – Consultoria e Assessoria em gestão pública;
Giselle Tardioli Pereira, Bacharel em Direito, pós-graduanda em
Direito Público com Ênfase em Direito Municipal na Faculdade Três
Pontas – FATEPS; Dimitri Andrade Barbosa, graduando em Direito pela
Faculdade Três Pontas - FATEPS e estagiário da MP&T Advogados
Associados – Consultoria e Assessoria em Gestão Pública.
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