Bastaram
90 dias para o Promotor de Justiça Substituto Landolfo Andrade de Souza
acabar com o nepotismo nas comarcas de Pirapozinho, Sandovalina,
Estrela do Norte, Tarabai e Narandiba, sem a necessidade de recorrer ao
Poder Judiciário.
A
solução para o problema foi o envio de “recomendações” às Câmaras e
Prefeituras Municipais, advertindo da ilegalidade do nepotismo e da
possível responsabilização por improbidade administrativa pelo
descumprimento do pedido do MP. “Exigimos ainda o encaminhamento das
cópias das publicações das exonerações dos funcionários irregulares”,
explica o Promotor de Justiça.
No
total, dez pessoas foram exoneradas. As Prefeituras e Câmaras
Municipais tiveram ainda de entregar a declaração de que todos os
servidores ocupantes de cargos comissionados ou funções gratificadas não
possuíam parentesco com as pessoas ocupantes dos cargos de Prefeito,
Vice-Prefeito, Secretários Municipais, Chefe de Gabinete,
Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de cargos de direção ou de
assessoramento.
Leia abaixo a íntegra da recomendação:
RECOMENDAÇÃO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, através da Promotoria de Justiça da Comarca de Pirapozinho, cujo representante abaixo subscreve, com fulcro no art. 27, parágrafo único, IV, da Lei n.º 8.625/93, e no art. 6.º, XX, da Lei Complementar federal n.º 75/93, e considerando
que incumbe ao Ministério Público a defesa do patrimônio público e
social, da moralidade e de outros interesses difusos e coletivos, na
forma dos artigos 127, caput, e 129, III, da Constituição da República
(CR); artigo 25, IV, “a”, da Lei n.º 8.625/93;
Considerando
a relevância e a magnitude das atribuições conferidas ao Ministério
Público no tocante à defesa do patrimônio público, por força do art.
129, III da Constituição da República e das disposições da Lei n.º
7.347/85;
Considerando
que são princípios norteadores da Administração Pública e de seus
respectivos gestores a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a
publicidade e a eficiência;
Considerando
que a afinidade familiar entre membros de Poder (Juízes, membros do
Ministério Público, Secretários, Governadores, Prefeitos, Deputados,
Vereadores e membros de Tribunais ou Conselhos de Contas[1]),ocupantes de cargos de direção e assessoramento e ocupantes
de cargos de provimento em comissão e funções gratificadas é
incompatível com o conjunto de normas éticas abraçadas pela sociedade
brasileira, que estão albergadas pelo Princípio constitucional da
Moralidade Administrativa, sendo a sua prática — comumente denominada
Nepotismo — repudiada, por decorrência lógica, pela Constituição de
1988;
Considerando
que a investidura de pessoas que detenham vínculo de parentesco com os
dirigentes estatais já citados em cargo de provimento em comissão ou
função gratificadas revela forma de favorecimento intolerável em face do
princípio da Impessoalidade, também presumidos pela Carta Magna como
inerentes à Administração Pública brasileira, em qualquer de seus
níveis;
Considerando
que a prática reiterada de tais atos de privilégio, relegando critérios
técnicos a segundo plano, em prol do preenchimento de funções públicas
de alta relevância através da avaliação de vínculos genéticos ou
afetivos traz necessariamente ofensa à eficiência no serviço público,
valor igualmente protegido pela Lei Fundamental;
Considerando
a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle
concentrado de constitucionalidade, abalizando a Resolução nº 07 do
Conselho Nacional de Justiça, que proíbe o exercício de qualquer função
pública em tribunais, que não as providas por concurso, por parentes consangüíneos, em linha reta e colateral, e afins até o terceiro grau de
magistrados vinculados aos mesmos, ainda que por meio indireto, como a
contratação temporária, a terceirização ou a contratação direta de
serviços de pessoas físicas;
Considerando
que a mesma decisão, através do voto condutor do Min. Carlos Ayres de
Britto na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, delineou
fundamentos de mérito, confirmando a inconstitucionalidade da prática do
Nepotismo à luz dos já asseverados Princípios da Moralidade,
Eficiência, Impessoalidade e Igualdade — independentemente da atuação do
legislador ordinário —, como se apreende do seguinte trecho:
O juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as
mesmas restrições já impostas péla Constituição de 1988, dedutíveis dos
republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade,
sobretudo. Quero dizer: o que já era constitucionalmente proibido
permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente
positivado.(Voto Min. Carlos Ayres Britto - Relator ADC 12; item 39, p.
09).
Considerando que, de acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, os fundamentos de decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade — do qual a ADC é espécie — são tão vinculantes quanto seus dispositivos, e deles inafastáveis, como se pode aferir da decisão do mesmo Pretório na Reclamação 2986/SE, abaixo transcrita:
FISCALIZAÇÃO
ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA LEGISLAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ QUE
DEFINIU, PARA OS FINS DO ART. 100, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO, O SIGNIFICADO
DE OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR. DECISÃO JUDICIAL, DE QUE ORA SE RECLAMA,
QUE ENTENDEU INCONSTITUCIONAL LEGISLAÇÃO, DE IDÊNTICO CONTEÚDO, EDITADA
PELO ESTADO DE SERGIPE. ALEGADO DESRESPEITO AO JULGAMENTO, PELO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, DA ADI 2.868 (PIAUÍ). EXAME DA QUESTÃO RELATIVA AO
EFEITO TRANSCENDENTE DOS MOTIVOS DETERMINANTES QUE DÃO SUPORTE AO
JULGAMENTO, “IN ABSTRACTO”, DE CONSTITUCIONALIDADE OU DE
INCONSTITUCIONALIDADE. DOUTRINA. PRECEDENTES. ADMISSIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
[...]
O
litígio jurídico-constitucional suscitado em sede de controle abstrato
(ADI 2.868/PI), examinado na perspectiva do pleito ora formulado pelo
Estado de Sergipe, parece introduzir
a possibilidade de discussão, no âmbito deste processo reclamatório, do
denominado efeito transcendente dos motivos determinantes da decisão
declaratória de constitucionalidade proferida no julgamento plenário da
já referida ADI 2.868/PI, Rel. p/ o acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA.
Cabe
registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO
CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso
sistema jurídico, a existência do fenômeno da “transcendência dos
motivos que embasaram a decisão” proferida por esta Corte, em processo
de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito
vinculante refere-se, também, à própria “ratio decidendi”,
projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva do
julgamento, “in abstracto”, de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade.
Essa
visão do fenômeno da transcendência parece refletir a preocupação que a
doutrina vem externando a propósito dessa específica questão,
consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só
concerne à parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios
fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal
venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando
consubstanciar declaração de inconstitucionalidade, como resulta claro
do magistério de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS/GILMAR FERREIRA MENDES (“O
Controle Concentrado de Constitucionalidade”, p. 338/345, itens ns.
7.3.6.1 a 7.3.6.3, 2001, Saraiva) e de ALEXANDRE DE MORAES
(“Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p.
2.405/2.406, item n. 27.5, 2ª ed., 2003, Atlas)[2].
Considerando, por fim, que a já referida decisão na ADC 12, bem como seus fundamentos, tem eficácia geral e “efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (Constituição da República, artigo 102, §2º);
RESOLVE:
Recomendar aos Excelentíssimos Srs. Prefeito Municipal e Presidente da Câmara de Vereadores, do Município de Pirapozinho, que:
a)
efetuem, no prazo de noventa dias, a exoneração de todos os ocupantes
de cargos comissionados ou funções de confiança que sejam cônjuges ou
companheiros ou detenham relação de parentesco consangüíneo, em linha
reta ou colateral, ou por afinidade até o terceiro grau com Prefeito,
vice-Prefeito, Secretários Municipais, Chefe de Gabinete,
Procurador-Geral do Município, Vereadores ou com servidores detentores
de cargos de direção, chefia ou de assessoramento, ressalvadas as
nomeações e designações de servidores ocupantes de cargo de provimento
efetivo, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do
grau de escolaridade do cargo de origem, sendo vedada, em qualquer caso,
a nomeação ou designação para servir subordinado ao servidor
determinante da incompatibilidade;
b)
a partir do recebimento da presente recomendação, se abstenham de
nomear, para cargos em comissão ou funções gratificadas, pessoas que
sejam cônjuges ou companheiros ou detenham relação de parentesco consangüíneo, em linha reta ou colateral, ou por afinidade até o terceiro grau com Prefeito,
vice-Prefeito, secretários municipais, chefe de gabinete,
Procurador-Geral do Município, Vereadores ou com servidores detentores
de cargos de direção, chefia ou de assessoramento, ressalvadas as
nomeações e designações de servidores ocupantes de cargo de provimento
efetivo, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do
grau de escolaridade do cargo de origem, sendo vedada, em qualquer caso,
a nomeação ou designação para servir subordinado ao servidor
determinante da incompatibilidade;
c)
a partir do recebimento da presente recomendação, se abstenham de
contratar, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de
licitação, pessoa jurídica cujos sócios sejam cônjuges ou companheiros,
ou parentes até o terceiro grau em linha reta, colateral e por afinidade
de quaisquer das pessoas ocupantes dos cargos de Prefeito,
Vice-Prefeito, Secretários municipais, chefe de gabinete,
Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de cargos de Direção,
chefia ou de assessoramento;
d)
a partir do recebimento da presente recomendação, se abstenham de
manter, aditar, prorrogar ou contratar pessoa jurídica cujos sócios
sejam cônjuges ou companheiros ou parentes até o terceiro grau em linha
reta, colateral e por afinidade de quaisquer das pessoas ocupantes dos
cargos de Prefeito, Vice-Prefeito, secretários municipais, chefe de
gabinete, procurador-geral do Município, Vereadores ou de cargos de
direção, chefia ou de assessoramento;
e)
se abstenham de contratar por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, pessoas que
sejam cônjuges ou companheiros ou parentes até o terceiro grau em linha
reta, colateral e por afinidade de quaisquer das pessoas ocupantes dos
cargos de Prefeito, vice-Prefeito, Secretários Municipais, Chefe de
Gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de servidores
detentores de cargos de direção, chefia ou de assessoramento;
f)
remetam a esta Promotoria de Justiça, mediante ofício, dez dias após o
término do prazo acima referido, cópia dos atos de exoneração e rescisão
contratual que correspondiam às hipóteses referidas nas alíneas
anteriores, bem como declaração de todos os servidores ocupantes de
cargos comissionados ou funções gratificadas no Poder (Executivo ou
Legislativo) do Município de Pirapozinho, esclarecendo se possui ou não parentesco consagüíneo, em linha reta ou colateral, ou afim até o terceiro grau, ou se é cônjuge ou companheiro de qualquer das pessoas ocupantes dos cargos de
Prefeito, vice-Prefeito, Vice-Prefeito, secretários municipais, chefe
de gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de cargos de
direção ou de assessoramento, bem como a relação dos contratos mantidos
pela Prefeitura Municipal e pela Câmara Municipal de Pirapozinho,
indicando nome, CNPJ e os sócios das empresas contratadas;
Em
caso de não-acatamento desta Recomendação, o Ministério Público informa
que adotará as medidas legais necessárias a fim de assegurar a sua
implementação, inclusive através do ajuizamento da ação civil pública
cabível, ressalvando-se, ainda, que a omissão injustificada configurará
ato de improbidade administrativa.
Encaminhe-se cópia desta Recomendação para que seja publicada no quadro de avisos desta Promotoria de Justiça.
Pirapozinho, 13 de setembro de 2006.
LANDOLFO ANDRADE DE SOUZA
Promotor de Justiça Substituto
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