Àqueles que ainda se indignam
Desce da forca,
vem, banca o safado: e serás governador ou deputado
O mês de abril se foi. Para nós de Caraguá,
bastante “proveitoso” em termos de feriados e dias de folga, registrando-se
generosa movimentação nas atividades de turismo da cidade.
Ao que parece, foi tudo de bom. Mas...
será?
Todos adoraram ficar à-toa no dia de
Tiradentes, apenas porque, como feriado, seu significado tem sido apenas este
mesmo. Já não se lembram mais das suas raízes, do seu sentido, de que um homem
balançou na corda porque foi corajoso o suficiente para levantar sua cabeça e
não aceitar aquilo que se lhe impunham, e pagou caro por sua ousadia.
Pagou com a vida.
Hoje, fazem o que querem conosco. Contudo,
já não se veem mais homens que valham o gênero, que carreguem dependurados
culhões protegidos por escrotos verdadeiramente roxos, como o pobre Tiradentes,
para ao menos tentar dar um “basta!” a este estado de coisas, insuportável já
de há muito.
“Rouba, mas faz”, eis aí máxima do nosso
conformismo, da nossa covardia, da nossa indiferença e falta de solidariedade
diante da roubalheira escancarada que se perpetram por este imenso país,
arrombando cofres públicos, que vai do município aos luxuriantes gabinetes de
Brasília.
Cada centavo de imposto subtraído soa como
que uma cusparada na cara de cada brasileiro. Daqueles brasileiros que, evidentemente,
têm alguma vergonha na cara e ainda ruborizam quando se lhes esfregam nas
bochechas relatos de corrupção explícita, como vemos agora, com a pilhagem e
desmonte da maior empresa do país, a Petrobras, que ERA o orgulho nacional, por
um grupo de saqueadores travestidos de partido politicamente organizado.
Quebraram a poderosa Petrobras. Por certo,
ainda quebrarão o país.
A situação inspira repugnância tanta que
até vale a pena plagiar um padre que, lá nos idos de 70, ousou, a sua maneira, levantar
a cabeça e desabafar:
“Meu pobre
Tiradentes, com uma pátria livre sonhaste. Que ingenuidade. Desce da forca,
vem, banca o safado. E serás vereador, prefeito, secretário, governador,
presidente, ministro, senador ou deputado.”
Abaixo, apresentamos o texto no seu
original, para que se reflita neste dia de Tiradentes, que passou apenas como
mais um dia de folga.
ORAÇÃO AO TIRADENTES
Meu pobre
Tiradentes, que imbecil!
Uma pátria
sonhaste, livre, forte,
e acabaste na
forca. O teu perfil
tão belo e puro,
teu gigante porte
não foi feito pra
terra do Brasil;
mísera terra desde
o sul ao norte,
terra de
bandoleiros e ladrões,
de velhacos,
covardes e histriões...
Meu Tiradentes,
quanto nojo, quanto,
entra-me n’alma e o
coração me enjoa,
quando vejo
aclamando-te por santo
uma turma de
hipócritas à toa...
Põem-te em pedestal
granítico, entanto
a fé que tu
pregaste abandonou-a,
trocando por uns
sórdidos vinténs
a chama do ideal
que tu entreténs...
O ínclito dragão,
simples que tu és!
julgas que é nobre
estertorar num laço,
estrebuchando da
cabeça aos pés –
macabra dança que
envergonha o espaço –
pra que depois uns
sujos lhagalés,
escória da nação,
fezes, bagaço
do povo, venham
insultar tua glória
dizendo ovacionar
tua memória.
Meu santo alferes,
que estultice a tua!
Inda acreditas em
patriotismo?
O cadafalso deixa,
vem à rua:
verás o tétrico, o
imenso abismo
de lodo e podridão
onde flutua,
como estandarte
porco do cinismo,
um pedaço auriverde
da bandeira
que já abençoou a
plaga brasileira...
Meu puro
Tiradentes, o sarcasmo
cruel enxovalhou-te
nome e fama.
Mais que da morte
no tremendo espasmo,
sofre tua alma ao
chafurdar na lama
de opróbrios e
baldões, que só o orgasmo
dos teus algozes
sádicos reclama...
Mas te conforta a
oração do monge
e a pátria livre
que tu vês ao longe...
Pátria livre?
Ilusão! Engano atroz!
Hoje, seus membros
fortes encadeia
a sina dos
escravos. Chora a sós,
e grita e impreca.
Alucinada alteia
em desespero a
sólida voz:
responde o soluçar
da patuléia...
Os grandes, o
Governo, os ‘patriotas’
cospem na cara dos
plebeus idiotas...
A pátria escrava!
escravizou-a a gula
insaciável, a feroz
cobiça
de tubarão, a que o
governo açula,
tentando-o com os
restos da carniça,
que na estrada
deixou essa matula
de políticos vís,
que vão à missa
da deusa Pátria, de
manhã e, logo,
a pátria esquecem
ou lhe deitam fogo...
Pátria que amaste e
que infeliz, eu vejo
vendida ao nobre
rico e ao burguês,
vendida no atacado
e no varejo,
a todo e qualquer
tipo de freguês,
por gente sem
escrúpulos, sem pejo,
com pago à vista ou
em prestações por mês...
Pátria em que o
dinheiro e o suborno e as trutas
fazem reinar até as
prostitutas...
Pátria em que da
justiça a virgindade,
ao poluir-se em
fétido bordel
de traições ao
Direito e à verdade
negando a luz,
afunda no marnel,
sem que ninguém de
seu revés se apiade!...
Anjo de Deus,
comprado por Lusbel,
ouve no charco
sonorosas palmas,
que pedem bis à
podridão das almas...
Pátria, à qual
serviu o imortal Caxias,
e que o exército
jura idolatrar,
pétreo gigante de
Gonçalves Dias –
‘fronte nas nuvens,
os pés sobre o mar’ -
é hoje imolada em
nebras orgias,
atrás de um balcão,
erguido em altar...
Repasto de abutres,
lobos, chacais,
ai! morre esperando
os seus generais...
Pátria sim? Ora, a
pátria! que me importa
um nome que
inventaram tão sonoro,
se anda a fome a
rondar a minha porta
e há goteiras na
choça em que demoro,
se o sol me queima
e, frio, o vento corta,
se pra viver a
caridade imploro?
Às favas uma pátria
que é madrasta,
onde o ter co’o ter
demais contrasta!
Pátria sim? Ora, a
Pátria! Quanto ganha
quem serve a
Pátria, ou vai morrer por ela?
Pátria é a adega, é
a taça de champanha,
é na mesa caviar,
serra da estrela,
Reais aos milhões,
Paris, Espanha,
bela mulher com –
para entontecê-la –
música, vinhos,
carros, jóias, praia...
E que ao redor o
mundo inteiro caia!
Meu Tiradentes
mártir, hoje em dia,
neste século vinte
e um progressista
não há, nem pode
haver filosofia
que à lógica do
estômago resista.
Heroísmo é
excrescência, é anomalia,
sem sentido no
credo epicurista...
Desce da forca,
vem, banca o safado:
Serás eleito
governador ou deputado!
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