Prefeito de Catanduva/SP., suspende Lei que autorizava atividade delegada no Municipio.
Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo n. 0269418-27.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de
Catanduva
Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.255, de 18 de
outubro de 2011, do Município de Catanduva. Parâmetro do controle de
constitucionalidade de lei municipal. Autorização para instituição de atividade
delegada de Polícia Militar e Civil e de Guarda Municipal e criação de gratificação
de desempenho. Separação de Poderes. Iniciativa parlamentar. Sanção. Ausência
de recursos financeiros. Procedência da ação. 1. O controle objetivo
de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem parâmetro a CE/89,
inclusive quando reproduza, imite ou remeta a preceito da CF/88 ou se trate de
norma de observância obrigatória (art. 125, § 2º, CF/88), não podendo balizá-lo
ofensa à norma infraconstitucional como a Lei Orgânica do Município. 2. Lei local, de iniciativa
parlamentar, que autoriza o Poder Executivo à instituição de atividade delegada
da Polícia Civil e Militar e da Guarda Municipal, criando gratificação de
desempenho, por convênio, viola o princípio de separação de poderes (arts. 5º,
24, § 2º, 1 e 2, e 47, II, XIV e XIX, a,
CE/89), não sendo suprido o defeito pela sanção ao projeto de lei. 3. Ausência de indicação específica de
fonte financeiro-orçamentária para atendimento das despesas novas geradas (art.
25, CE/89). 4. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
promovida pelo Prefeito do Município de Catanduva em face da Lei n. 5.255, de
18 de outubro de 2011, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que
autoriza o Poder Executivo à instituição de atividade delegada da Polícia Civil
e Militar e da Guarda Municipal, criando gratificação de desempenho, por
convênio, sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 25, e 144 da
Constituição do Estado, o art. 67, VI, da Lei Orgânica do Município, o art.
163, I, da Constituição Federal e os arts. 15 e 16 da Lei Complementar n.
101/00 (fls. 02/10).
2. O Presidente da Câmara Municipal de Catanduva prestou
informações (fls. 28/31). O douto Procurador-Geral do Estado de São Paulo
declinou da defesa do ato normativo contestado (fls. 54/56).
3. É o relatório.
4. Embora o requerente tenha exposto na petição inicial a
incompatibilidade da lei local com os arts. 5º, 25, e 144 da Constituição do
Estado, ao tratar do vício de iniciativa legislativa justificou que “tal ofensa
implica em desrespeitar a Constituição Bandeirante, mais precisamente na parte
em que prevê elaboração das Leis Orgânicas, qual seja, artigo 144, posto que
negar validade a um dispositivo da Lei máxima do Município, que diz respeito a
iniciativas reservadas ao chefe do executivo, como é o caso do artigo 67
supracitado” (fl. 07).
5. Em seguida, articulou que a lei local “atinge também
os ditames Constitucionais estabelecidos no art. 163, I, da Carta de 1988,
consubstanciado nos artigos 15 e 16 da Lei Complementar nº 101/2000” (fl. 09).
6. É inadmissível o contraste da norma municipal
impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando
reproduza, imite ou remeta a preceito da Constituição Federal (ou se trate de
norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da
Constituição Federal.
7.
Qualquer alegação fundada
em norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece
cognição, tendo em vista que é “inviável
a análise de outra norma municipal para aferição da alegada
inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias
Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).
8. Compete
destacar que o art. 144 da Constituição Estadual não tem o alcance exposto pelo
requerente. Esse dispositivo, assim como a cabeça do art. 29 da Constituição
Estadual, ao assegurar a autonomia municipal pela respectiva Lei Orgânica não a
eleva ao status de norma
constitucional para controle de constitucionalidade de lei local, tanto que o §
2º do art. 125 da Constituição da República prevê como exclusivo parâmetro da
jurisdição constitucional a Constituição do Estado. A norma apenas subordina a
produção da Lei Orgânica aos preceitos da Constituição Federal e da
Constituição Estadual.
9. Não
procede, também, argumentar violação à Lei de Responsabilidade Fiscal porque,
como já dito, o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade de lei
municipal é a Constituição Estadual, sendo irrelevante para o seu desate o
direito infraconstitucional.
10. O
art. 163, I, da Constituição Federal, que reserva à lei complementar dispor
sobre finanças públicas, além de demandar crise de legalidade por envolver
violação reflexa e indireta, não tem pertinência nesta sede.
11. A
lei local impugnada autoriza
o Poder Executivo à instituição de atividade delegada da Polícia Civil e
Militar e da Guarda Municipal, criando gratificação de desempenho, por convênio.
12. A iniciativa parlamentar desafia o
quanto contido nos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
13. Com efeito, o conteúdo da norma
contestada implica violação da reserva da Administração em matéria de gestão
administrativa e a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder
Executivo acerca da organização e funcionamento da Administração Pública,
previstas nos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, porquanto a lei impôs atribuições a
órgãos do Poder Executivo, invadindo aspectos da administração ordinária que se
situa no juízo exclusivo do Chefe do Poder Executivo.
14. As regras do processo legislativo
federal também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como
vem julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:
“(...) 2. A
Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de
auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória
observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo
legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do
Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa
privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau,
04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras
básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que
estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória
pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A
Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de
auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória
observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo
legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor
sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo.
(...)” (RTJ 193/832).
“(...) I. -
As regras básicas do processo legislativo federal são de observância
obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p.
33).
15. Como
desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º,
Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24,
§ 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo
(aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e
extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado
o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das
atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.
16. Também prevê no art. 47
competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a
atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências
próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de
Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à
interferência do Poder Legislativo.
17. A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez,
os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da
administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da
competência do Poder Executivo, reproduzindo o art. 84 da Constituição.
18. Neste sentido, é pacífica a
jurisprudência da Suprema Corte:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE
ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição
de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É
indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei
ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de
alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura
administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p.
02).
“RESERVA DE
ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva
de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias
sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em
tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos
atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse
modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da
separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo
que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas
privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando
efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão
funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição
parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não
pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o
exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO
DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC.
ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de
iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria
nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder
Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do
Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização
administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e
funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de
despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo
(art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal).
Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” (STF,
ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe
30-11-2007).
“(...) 2. As
restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao
Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em
contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (...)”
(STF, ADI-MC-REF 4.102-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-05-2010,
v.u., DJe 24-09-2010).
19. Pondero,
ainda, que a lei local ao criar gratificação de desempenho invadiu a reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo em tema de remuneração de
agentes públicos, constante do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual.
20. E
nem se alegue se tratar de mera lei autorizativa, pois, essa natureza não
desabona a conclusão de sua inconstitucionalidade.
21. A
autorização legislativa não se confunde com lei autorizativa, devendo aquela
primar pela observância da reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha
autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de
inconstitucionalidade. Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública,
assunto da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua
prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências
previstas na lei.
22. Lição
doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes
leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia
solicitar a autorização, ensina que:
“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’
autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o
crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos
quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante
esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da
obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços
como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa
parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu
‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se
a autorizar o Poder Executivo a executar atos
que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da
competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma
expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O
objeto da autorização - por já ser de
competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é
apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de
iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a
si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas
constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis
Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov
2000, p. 262).
23. A lei que autoriza o Poder Executivo
a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma
determinação, sendo, portanto, inconstitucional.
24. Neste sentido, vem julgando este
egrégio Tribunal, afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas,
forte no entendimento de que essas “autorizações” são mero eufemismo de
“determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder
Executivo:
“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa
o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um
Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e
inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o
Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar,
sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são
inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência
material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação
de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO
PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal
Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA
PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS
NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO
DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O
INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA
ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALÍDADE - LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O
PODER EXECUTIVO A COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO
PAGAS DE ÁGUA, IPTU, ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO
– INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO
- AÇÃO PROCEDENTE.
A lei inquinada
originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de
ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a Administração
Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do
Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização
para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de mandamentos
constitucionais” (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u.,
19-05-2010).
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do
Município de Andradina, 'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a
todos os alunos das escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de
material escolar, através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa
da edilidade, mas que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do
Executivo. Violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não
obstante com caráter apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência
material do Chefe do Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7,
Rel. Des. José Santana, v.u., 14-07-2010).
25. A
argumentação da natureza autorizativa da norma e da inércia na execução da lei
não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade, como já decidido:
“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes a
ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades
legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional
a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu
sucessor, com as conseqüências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC
2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ
05-03-2004, p. 13).
26. Com
efeito, em matéria administrativa a Administração Pública está vinculada
positivamente ao princípio da legalidade (art. 37, Constituição Federal; art.
111, Constituição Estadual) e, atento à consideração essencial do cancelamento
da Súmula 05 do Supremo Tribunal Federal, afigura-se impossível ao Chefe do
Poder Executivo (vetando ou não a lei de iniciativa parlamentar que disciplina
a matéria) cumpri-la (ou seja, atender à autorização nela contida), pois, a
inconstitucionalidade a tisna desde seu nascedouro, e a dimensão do princípio
da legalidade (rectius: juridicidade)
requer a conformidade dos atos da Administração com o ordenamento jurídico
inteiro – inclusive as normas constitucionais.
27. Ademais,
a lei local impugnada invade a reserva da Administração quando autoriza o Poder
Executivo à celebração de convênio com o Estado de São Paulo para integração ao
referido programa.
28. A
celebração de ajustes administrativos, como contratos ou convênios, é matéria
típica da gestão ordinária dos negócios públicos confiada exclusivamente ao
Poder Executivo sem possibilidade de sua submissão a anterior ou posterior
autorização do Poder Legislativo.
29. Neste
sentido, pronuncia a jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 60, XXVI, DA LEI ORGÂNICA
DO DISTRITO FEDERAL. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 18, E 25 A 28,
TODOS DA CARTA DA REPÚBLICA. Dispositivo que, ao submeter à Câmara Legislativa
distrital a autorização ou aprovação de convênios, acordos ou contratos de que
resultem encargos não previstos na lei orçamentária, contraria a separação de
poderes, inscrita no art. 2.º da Constituição Federal. Precedentes. Ação
julgada procedente” (STF, ADI 1.166-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão,
05-09-2002, v.u., DJ 25-10-2002, p. 24).
“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E
INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA:
INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Normas que subordinam convênios, ajustes, acordos e
instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da
Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade. II. - Suspensão cautelar da Lei
nº l0.865/98, do Estado de Santa Catarina”(STF, ADI-MC 1.865-SC, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 04-09-1999, v.u., DJ 12-03-1999, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 20, inciso III do
artigo 40 e a expressão ‘ad referendum da Assembléia Legislativa’ contida no
inciso XIV do artigo 71, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina.
Pedido de Liminar. - Normas que subordinam convênio, ajustes, acordos e
instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da
Assembléia Legislativa. Alegação de ofensa ao princípio da independência e
harmonia dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal). Liminar deferida para
suspender, ‘ex nunc’ e até julgamento final, a eficácia dos dispositivos
impugnados” (STF, ADI-MC 1.857-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves,
27-08-1998, v.u., DJ 23-10-1998, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XIII, XXIX e XXX
do artigo 71 e § 1º do artigo 15, todos da Constituição do Estado da Bahia,
promulgada em 05 de outubro de 1989. - Os incisos XIII e XIX do artigo 71 da
Constituição do Estado da Bahia são ofensivos ao princípio da independência e
harmonia dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) ao darem à Assembléia
Legislativa competência privativa para a autorização de convênios, convenções
ou acordos a ser celebrados pelo Governo do Estado ou a aprovação dos
efetivados sem autorização por motivo de urgência ou de interesse público, bem
como para deliberar sobre censura a Secretaria de Estado. - Violam o mesmo
dispositivo constitucional federal o inciso XXX do artigo 71 (competência
privativa à Assembléia Legislativa para aprovar previamente contratos a ser firmados
pelo Poder Executivo e destinados a concessão e permissão para exploração de
serviços públicos) e a expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa
e’ do § 1º do artigo 25 (relativa à concessão de serviços públicos), ambos da
Constituição do Estado da Bahia. Ação julgada procedente em parte, para
declarar a inconstitucionalidade dos incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e a
expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa e’ do § 1º do artigo 25,
todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989”
(STF, ADI 462-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 20-08-1997, v.u., DJ
18-02-2000, p. 54).
“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS E ATOS DE
SECRETÁRIOS DE ESTADO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE.
I. - Norma que subordina convênios, acordos, contratos e atos de Secretários de
Estado à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque
ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º. II.
- Inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente” (STF, ADI 676-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso,
01-07-1996, v.u., DJ 29-11-1996, p. 47.155).
“Ação direta de inconstitucionalidade – Dispositivos da Lei
Orgânica do Município de Ribeirão Preto que exigem autorização prévia do Poder
Legislativo para celebração de convênios com entidades públicas ou particulares
e constituição de consórcios municipais – Ato típico da administração – Poder
inerente à função do Chefe do Poder Executivo – Ofensa ao princípio da
separação dos poderes – Procedência da ação” (TJSP, ADI 161.804-0/5, Órgão
Especial, Rel. Des. Celso Limongi, 24-09-2008, v.u.).
30. Afigura-se
irrelevante a sanção do Chefe do Poder Executivo ao projeto de lei de
iniciativa parlamentar.
31. Com
efeito, esse entendimento que era amparado pela Súmula 05 do Supremo Tribunal
Federal foi há muito revogado, como decidido pela própria Suprema Corte (STF,
ADI 1.438-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 05-09-2002, v.u., DJ
08-11-2002, p. 21).
32. Também
a lei local impugnada é incompatível com o art. 25 da Constituição Estadual.
33. A
lei cria diretamente obrigações para o Poder Executivo sem indicação precisa de
recursos orçamentários para atendimento dos deveres nela contidos, não bastando
a previsão contida em seu art. 3º de que “as despesas com a execução desta Lei
correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se
necessário”.
34. Opino
pela procedência da ação.
São
Paulo, 20 de março de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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