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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

PREFEITO DE CATANDUVA SUSPENDE LEI QUE AUTORIZAVA ATIVIDADE DELEGADA NO MUNICIPIO

Prefeito de Catanduva/SP.,  suspende Lei que autorizava atividade delegada no Municipio.


Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo n. 0269418-27.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva




Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.255, de 18 de outubro de 2011, do Município de Catanduva. Parâmetro do controle de constitucionalidade de lei municipal. Autorização para instituição de atividade delegada de Polícia Militar e Civil e de Guarda Municipal e criação de gratificação de desempenho. Separação de Poderes. Iniciativa parlamentar. Sanção. Ausência de recursos financeiros. Procedência da ação. 1. O controle objetivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem parâmetro a CE/89, inclusive quando reproduza, imite ou remeta a preceito da CF/88 ou se trate de norma de observância obrigatória (art. 125, § 2º, CF/88), não podendo balizá-lo ofensa à norma infraconstitucional como a Lei Orgânica do Município. 2. Lei local, de iniciativa parlamentar, que autoriza o Poder Executivo à instituição de atividade delegada da Polícia Civil e Militar e da Guarda Municipal, criando gratificação de desempenho, por convênio, viola o princípio de separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, e 47, II, XIV e XIX, a, CE/89), não sendo suprido o defeito pela sanção ao projeto de lei. 3. Ausência de indicação específica de fonte financeiro-orçamentária para atendimento das despesas novas geradas (art. 25, CE/89). 4. Procedência da ação.



Colendo Órgão Especial:


1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito do Município de Catanduva em face da Lei n. 5.255, de 18 de outubro de 2011, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que autoriza o Poder Executivo à instituição de atividade delegada da Polícia Civil e Militar e da Guarda Municipal, criando gratificação de desempenho, por convênio, sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 25, e 144 da Constituição do Estado, o art. 67, VI, da Lei Orgânica do Município, o art. 163, I, da Constituição Federal e os arts. 15 e 16 da Lei Complementar n. 101/00 (fls. 02/10).
2.                O Presidente da Câmara Municipal de Catanduva prestou informações (fls. 28/31). O douto Procurador-Geral do Estado de São Paulo declinou da defesa do ato normativo contestado (fls. 54/56).
3.                É o relatório.
4.                Embora o requerente tenha exposto na petição inicial a incompatibilidade da lei local com os arts. 5º, 25, e 144 da Constituição do Estado, ao tratar do vício de iniciativa legislativa justificou que “tal ofensa implica em desrespeitar a Constituição Bandeirante, mais precisamente na parte em que prevê elaboração das Leis Orgânicas, qual seja, artigo 144, posto que negar validade a um dispositivo da Lei máxima do Município, que diz respeito a iniciativas reservadas ao chefe do executivo, como é o caso do artigo 67 supracitado” (fl. 07).
5.                Em seguida, articulou que a lei local “atinge também os ditames Constitucionais estabelecidos no art. 163, I, da Carta de 1988, consubstanciado nos artigos 15 e 16 da Lei Complementar nº 101/2000” (fl. 09).
6.                É inadmissível o contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.
7.                Qualquer alegação fundada em norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece cognição, tendo em vista que é “inviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).
8.                Compete destacar que o art. 144 da Constituição Estadual não tem o alcance exposto pelo requerente. Esse dispositivo, assim como a cabeça do art. 29 da Constituição Estadual, ao assegurar a autonomia municipal pela respectiva Lei Orgânica não a eleva ao status de norma constitucional para controle de constitucionalidade de lei local, tanto que o § 2º do art. 125 da Constituição da República prevê como exclusivo parâmetro da jurisdição constitucional a Constituição do Estado. A norma apenas subordina a produção da Lei Orgânica aos preceitos da Constituição Federal e da Constituição Estadual.
9.                Não procede, também, argumentar violação à Lei de Responsabilidade Fiscal porque, como já dito, o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade de lei municipal é a Constituição Estadual, sendo irrelevante para o seu desate o direito infraconstitucional.
10.              O art. 163, I, da Constituição Federal, que reserva à lei complementar dispor sobre finanças públicas, além de demandar crise de legalidade por envolver violação reflexa e indireta, não tem pertinência nesta sede.
11.              A lei local impugnada autoriza o Poder Executivo à instituição de atividade delegada da Polícia Civil e Militar e da Guarda Municipal, criando gratificação de desempenho, por convênio.
12.              A iniciativa parlamentar desafia o quanto contido nos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
13.              Com efeito, o conteúdo da norma contestada implica violação da reserva da Administração em matéria de gestão administrativa e a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo acerca da organização e funcionamento da Administração Pública, previstas nos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, porquanto a lei impôs atribuições a órgãos do Poder Executivo, invadindo aspectos da administração ordinária que se situa no juízo exclusivo do Chefe do Poder Executivo.             
14.              As regras do processo legislativo federal também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal:
“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
15.              Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.
16.              Também prevê no art. 47 competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
17.              A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo, reproduzindo o art. 84 da Constituição.
18.              Neste sentido, é pacífica a jurisprudência da Suprema Corte:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC. ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).
“(...) 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (...)” (STF, ADI-MC-REF 4.102-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-05-2010, v.u., DJe 24-09-2010).
19.             Pondero, ainda, que a lei local ao criar gratificação de desempenho invadiu a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo em tema de remuneração de agentes públicos, constante do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual.
20.              E nem se alegue se tratar de mera lei autorizativa, pois, essa natureza não desabona a conclusão de sua inconstitucionalidade.
21.              A autorização legislativa não se confunde com lei autorizativa, devendo aquela primar pela observância da reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha autorização (lei autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade. Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública, assunto da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua prerrogativa de análise da conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei.
22.              Lição doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina que:
“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).
23.              A lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional.
24.              Neste sentido, vem julgando este egrégio Tribunal, afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que essas “autorizações” são mero eufemismo de “determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:
“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE - LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU, ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO – INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - AÇÃO PROCEDENTE.
A lei inquinada originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais” (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do Município de Andradina, 'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a todos os alunos das escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de material escolar, através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa da edilidade, mas que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não obstante com caráter apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência material do Chefe do Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7, Rel. Des. José Santana, v.u., 14-07-2010).
25.              A argumentação da natureza autorizativa da norma e da inércia na execução da lei não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade, como já decidido:
“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes a ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu sucessor, com as conseqüências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC 2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ 05-03-2004, p. 13).
26.              Com efeito, em matéria administrativa a Administração Pública está vinculada positivamente ao princípio da legalidade (art. 37, Constituição Federal; art. 111, Constituição Estadual) e, atento à consideração essencial do cancelamento da Súmula 05 do Supremo Tribunal Federal, afigura-se impossível ao Chefe do Poder Executivo (vetando ou não a lei de iniciativa parlamentar que disciplina a matéria) cumpri-la (ou seja, atender à autorização nela contida), pois, a inconstitucionalidade a tisna desde seu nascedouro, e a dimensão do princípio da legalidade (rectius: juridicidade) requer a conformidade dos atos da Administração com o ordenamento jurídico inteiro – inclusive as normas constitucionais.
27.              Ademais, a lei local impugnada invade a reserva da Administração quando autoriza o Poder Executivo à celebração de convênio com o Estado de São Paulo para integração ao referido programa.
28.              A celebração de ajustes administrativos, como contratos ou convênios, é matéria típica da gestão ordinária dos negócios públicos confiada exclusivamente ao Poder Executivo sem possibilidade de sua submissão a anterior ou posterior autorização do Poder Legislativo.
29.              Neste sentido, pronuncia a jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 60, XXVI, DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 18, E 25 A 28, TODOS DA CARTA DA REPÚBLICA. Dispositivo que, ao submeter à Câmara Legislativa distrital a autorização ou aprovação de convênios, acordos ou contratos de que resultem encargos não previstos na lei orçamentária, contraria a separação de poderes, inscrita no art. 2.º da Constituição Federal. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 1.166-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 05-09-2002, v.u., DJ 25-10-2002, p. 24).
“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Normas que subordinam convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade. II. - Suspensão cautelar da Lei nº l0.865/98, do Estado de Santa Catarina”(STF, ADI-MC 1.865-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 04-09-1999, v.u., DJ 12-03-1999, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 20, inciso III do artigo 40 e a expressão ‘ad referendum da Assembléia Legislativa’ contida no inciso XIV do artigo 71, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Pedido de Liminar. - Normas que subordinam convênio, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa. Alegação de ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal). Liminar deferida para suspender, ‘ex nunc’ e até julgamento final, a eficácia dos dispositivos impugnados” (STF, ADI-MC 1.857-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 27-08-1998, v.u., DJ 23-10-1998, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e § 1º do artigo 15, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989. - Os incisos XIII e XIX do artigo 71 da Constituição do Estado da Bahia são ofensivos ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) ao darem à Assembléia Legislativa competência privativa para a autorização de convênios, convenções ou acordos a ser celebrados pelo Governo do Estado ou a aprovação dos efetivados sem autorização por motivo de urgência ou de interesse público, bem como para deliberar sobre censura a Secretaria de Estado. - Violam o mesmo dispositivo constitucional federal o inciso XXX do artigo 71 (competência privativa à Assembléia Legislativa para aprovar previamente contratos a ser firmados pelo Poder Executivo e destinados a concessão e permissão para exploração de serviços públicos) e a expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa e’ do § 1º do artigo 25 (relativa à concessão de serviços públicos), ambos da Constituição do Estado da Bahia. Ação julgada procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e a expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa e’ do § 1º do artigo 25, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989” (STF, ADI 462-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 20-08-1997, v.u., DJ 18-02-2000, p. 54).
“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS E ATOS DE SECRETÁRIOS DE ESTADO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Norma que subordina convênios, acordos, contratos e atos de Secretários de Estado à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º. II. - Inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 676-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 01-07-1996, v.u., DJ 29-11-1996, p. 47.155).
“Ação direta de inconstitucionalidade – Dispositivos da Lei Orgânica do Município de Ribeirão Preto que exigem autorização prévia do Poder Legislativo para celebração de convênios com entidades públicas ou particulares e constituição de consórcios municipais – Ato típico da administração – Poder inerente à função do Chefe do Poder Executivo – Ofensa ao princípio da separação dos poderes – Procedência da ação” (TJSP, ADI 161.804-0/5, Órgão Especial, Rel. Des. Celso Limongi, 24-09-2008, v.u.).
30.              Afigura-se irrelevante a sanção do Chefe do Poder Executivo ao projeto de lei de iniciativa parlamentar.
31.              Com efeito, esse entendimento que era amparado pela Súmula 05 do Supremo Tribunal Federal foi há muito revogado, como decidido pela própria Suprema Corte (STF, ADI 1.438-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 05-09-2002, v.u., DJ 08-11-2002, p. 21).
32.              Também a lei local impugnada é incompatível com o art. 25 da Constituição Estadual.
33.              A lei cria diretamente obrigações para o Poder Executivo sem indicação precisa de recursos orçamentários para atendimento dos deveres nela contidos, não bastando a previsão contida em seu art. 3º de que “as despesas com a execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário”.
34.              Opino pela procedência da ação.
                   São Paulo, 20 de março de 2013.



Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico

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