Maus políticos se acham 'intocáveis', afirma juiz!
JUSTIÇA
10/06/2012 07h53
Maus políticos se acham 'intocáveis', afirma juiz
Para magistrado, 17ª Vara sai fortalecida após decisão do STF
Carla Serqueira - Gazeta de Alagoas
Um
dos integrantes da 17ª Vara Criminal da Capital, o juiz Maurício Brêda
diz que o colegiado incomoda porque levou à cadeia deputados e
prefeitos. Ele diz que "gente detentora de poder econômico" se considera
"intocável". A prisão de parlamentares, diz, "deixou maus políticos em
polvorosa". Em entrevista exclusiva, o magistrado, que tem segurança 24
horas por dia e já teve uma filha baleada, afirma que o julgamento do
STF deixa a 17ª "muito mais fortalecida". Maurício Brêda faz ainda uma
previsão sobre casos de desvio de verbas públicas que tramitam na vara:
"Acusados de corrupção vão perder os bens para ressarcir o erário".
Segundo ele, todos os que "surrupiaram" dinheiro público "vão ter de
devolver tudo".
Às seis horas da manhã ele chegou em casa na última quinta-feira. Passou
24 horas julgando a morte do jovem Tércio Delano, presidindo o Tribunal
do Júri da 7ª Vara Criminal. Maurício Brêda descansou até meio-dia e às
13 horas já estava pronto para mais uma missão. Considerado a alma da
17ª Vara Criminal da Capital, ele conversou com a Gazeta, sem pressa, e
rebateu cada uma das acusações que fizeram a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo era banir o
colegiado de cinco juízes do Poder Judiciário alagoano.
Durante três sessões, o STF debateu a legalidade da 17ª Vara. No dia 31
de maio, tomou a decisão: a 17ª pode continuar atuando, mas com algumas
modificações. Mudanças que só vieram fortalecer o grupo criado em 2007,
remanescente do Núcleo de Combate ao Crime Organizado (NCCO), na opinião
de Maurício Brêda. “Tem quem ache que a Vara enfraqueceu, mas aconteceu
o contrário. A decisão do STF só fez aumentar a responsabilidade da
17ª. E outra: esvaziou os argumentos dos advogados insatisfeitos com
ela”. Desde o início, o juiz é membro do colegiado – se afastou apenas
por um ano para fazer um curso em Chicago (EUA), retornando em 2008. Ele
diz saber bem onde nasceu a vontade de ver morrer a 17ª Vara Criminal
da Capital.
“Não tenha dúvida que tudo isso começou com prisão de deputado estadual.
Não tenha dúvida que tudo isso começou com prisão de prefeito, de
vereador, de gente detentora de poder econômico, que se achavam
intocáveis. A prisão de três deputados deixou a sociedade política em
polvorosa. Isso é patente. A 17ª, em via de regra, é odiada pelo mau
político”, afirmou Maurício Brêda, sem, em momento algum, variar o tom
de voz. Falando sempre pausadamente, com aparente naturalidade, o
magistrado diz também saber que os ataques à 17ª Vara não representam o
pensamento de todos os advogados, mas “de dois ou três que trabalhavam
para que os leigos imaginassem que estávamos fazendo algo ilegal”.
O juiz acredita que a decisão do STF vai incentivar outros Estados a
criar varas semelhantes no Brasil e comemora que a partir de agora, a
OAB não poderá mais questionar a sua competência. Maurício Brêda admitiu
que gostaria de continuar fazendo parte do grupo, cujos futuros membros
terão agora que enfrentar uma seleção. Nesta entrevista, o juiz também
fala dos dissabores de trabalhar na contramão do crime organizado. Ele
teve uma filha baleada e desde 2009 vive cercado de seguranças, 24 horas
por dia. “Comecei a lidar com pessoas ligadas a facções como o PCC.
Quando começamos a esvaziar o patrimônio delas em favor da União e
transferi-las para presídios federais, vieram os recados, as cartas, os
CDs com mensagens dizendo: vou matar, vou estuprar a sua filha”.
Brêda garante que a 17ª Vara, apesar de todas as tentativas de
intimidação, nunca deixou de atuar. E se depender dele, continuará no
encalço de quem quer que seja, com a frieza que a boa investigação
requer. “O coração do juiz é a lei. E repito: não tenho medo de julgar.
Todos os dias eu julgo e não quero saber se é A, B, C, D ou F, se é de
classe X ou Z. Não se olha nomes para julgar. Tem que aplicar a lei em
casos concretos, e é isso que eu faço”.
Gazeta. Afinal, o julgamento do STF fortaleceu ou enfraqueceu a 17ª Vara Criminal?
Maurício Brêda. A 17ª ficou muito mais fortalecida com o julgamento. Foi
ampliada a competência dela pela Lei federal nº 9.034. Tem quem ache
que a vara enfraqueceu, mas aconteceu o contrário. Vi algumas pessoas
exaltadas dizendo que, com a decisão do STF, a 17ª não vai mais poder
fazer isso ou aquilo. Ao contrário, a decisão do STF só fez aumentar a
responsabilidade da 17ª. E outra: esvaziou os argumentos dos advogados
insatisfeitos com ela. Antes, eles alegavam uma série de preliminares,
pediam a nulidade das decisões dizendo que a 17ª não era competente para
atuar no interior, que não podia atuar com cinco juízes. Nada disso
agora terá mais sentido.
Ela ganhou força com o quê?
A decisão do Supremo ainda não foi publicada. Mas pelo que acompanhamos,
a competência em todo o Estado foi mantida. Além disso, até os crimes
de ameaça serão de nossa competência, de acordo com a Lei nº 9.034. A
ampliação da competência é agora irreversível. Com isso, a vara tende a
crescer e muito. A OAB pretendia acabar com a pluralidade de
magistrados, uma inovação do Estado de Alagoas, e não conseguiu. O
Supremo manteve o colegiado de primeiro grau. Isso incomodava muito à
OAB. Na verdade, incomodava a dois ou três advogados que sempre foram
contrários à 17ª.
Gazeta. Há a crítica de que a 17ª Vara investiga. Isso ocorre?
Maurício Brêda. Poucos advogados tentavam iludir a opinião pública
dizendo que a 17ª fazia investigação. O Poder Judiciário, todos sabemos,
não investiga. Ele permite que a autoridade policial e o Ministério
Público investiguem, autorizando as medidas cautelares requeridas. A 17ª
apenas recepciona as representações da polícia e do MP rapidamente. E
era justamente por isso que ela incomodava e vai continuar incomodando.
Os chamados poderosos, pessoas intocáveis, que se achavam acima da lei,
sentiram que, com a chegada da 17ª vara, a presença do Judiciário ficou
mais incisiva. A 17ª permitiu que o MP ficasse mais forte, com a criação
do Gecoc. E permitiu que a polícia, também hoje mais forte, mais
respeitada, fosse para cima. Antes, medidas cautelares, como pedidos de
prisão, demoravam quatro dias para serem expedidas. Hoje é diferente.
Somos cinco juízes, temos dez estagiários, cada magistrado trabalha com
dois. Temos uma assessora judiciária e uma auxiliar. Isso tudo torna o
trabalho mais célere.
O STF determinou que a 17ª Vara fosse ocupada por juízes titulares. O que significa esta mudança?
Agora a 17ª vai ficar dez vezes mais forte. Ela terá cinco magistrados
com a segurança da inamovibilidade. Vão mudar as cabeças pensantes. Com a
titularidade, o respeito que a 17ª impõe, a qualidade do serviço e o
relacionamento com toda sociedade jurídica tendem a aumentar. Ao longo
do tempo, a 17ª já mudou de magistrado várias vezes. O único que
permanece desde o seu nascedouro é o doutor Rodolfo [Gatto]. Já passaram
pela 17ª magistrados de todas as qualidades, de muitos locais do
Brasil. Todos se adaptaram muito bem. A 17ª hoje anda sozinha, já tem o
seu próprio modo de operar. É como uma empresa. Pode mudar o
administrador, mas a indústria continua moendo, trabalhando. A 17ª é
desse jeito. Antes, havia o mandato de dois anos. Com a decisão do STF,
isso acabou. E só. Não enxergo nada na decisão do STF como poda. Pelo
contrário, a 17ª é a primeira vara colegiada do Brasil e tenho certeza
que agora esta experiência vai crescer Brasil afora. Em breve, teremos
varas iguais à 17ª nas 27 unidades da federação.
O senhor vai continuar na 17ª Vara?
Obviamente, eu querendo, posso me habilitar porque preencho os
requisitos legais. Sou magistrado titular de 3ª entrância, tenho 17 anos
de magistratura, atuo em vara da capital. Então, abrindo o edital para
prover os cargos por remoção, posso me candidatar. Mas estou avaliando
se devo. Eu já presto serviço na 7ª Vara, que é do Tribunal do Júri, que
cuida exatamente dos crimes dolosos contra a vida. Eu sei cada processo
de cabeça. Sei exatamente os julgamentos que tenho para realizar. Não
são mais do que 15. Todo mês realizo de dez a doze julgamentos
populares. São aproximadamente 100 júris todos os anos na minha vara.
Deu trabalho alcançar esta meta. Por isso estou avaliando se devo me
habilitar à remoção. Mas tenho, sim, muita vontade de continuar na 17ª
Vara.
Que outras adaptações a vara sofrerá?
Na prática não mudou nada. O STF chancelou que a 17ª Vara é
constitucional; que pode ser composta por cinco magistrados; que pode
atuar no Estado inteiro, com base na Lei nº 9.034. Nada disso pode mudar
mais. As outras questões são pontuais, de procedimento para se fazer
chegar até as mãos da vara o processo. Agora ele terá que passar pelo
protocolo geral. Isso não é problema nenhum. Antes a vara tinha o seu
próprio protocolo. O Tribunal de Justiça terá apenas que adaptar o
trâmite das questões sigilosas, como hoje funciona, por exemplo, os
pedidos de interceptação telefônica. O CNJ disciplinou o procedimento. O
pedido vai num envelope fechado, apenas com o número da representação.
Ninguém vai ler o conteúdo de um envelope lacrado. O mesmo procedimento
deve servir para os requerimentos sigilosos da 17ª Vara.
Qual a demanda hoje da 17ª Vara?
Temos hoje mais ou menos 600 procedimentos, cerca de 180 processos em
tramitação. Todo dia recebemos uma denúncia do MP. Diversas operações
estão prontas para serem deflagradas. Daqui a alguns dias o alagoano
terá certeza da efetividade de algumas medidas da 17ª. Pessoas acusadas
de corrupção vão começar a perder os bens para ressarcimento do erário.
Alagoas vai começar a enxergar um novo horizonte com pessoas que
surrupiaram o que era do público, do erário, tendo que devolver tudo,
perdendo o patrimônio que nunca lhe pertenceu. E isso está bem próximo
de acontecer.
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